Vamos falar de canções...
Cá entre nós, já ouvi tantas melodias até meus 40 anos
e alguns meses. Músicas que pautaram uma circunstância, músicas que registraram
um momento, músicas que se transformaram em eternas trilhas sonoras de saudade
(o pai que se foi, a palavra que não saiu, o sorriso que se engoliu)... Com as
músicas reservo-me ao direito da antipatia das lágrimas...
Quantos momentos me imaginei com asas ouvindo uma
canção? Quantas muitas vezes me teletransportei sem precisar sair do lugar,
fisicamente. Quantas vezes convidei a solidão pra dançar em meio a minha sala
insuportavelmente vazia?
E convenhamos:
Quem nunca aqui abraçou o travesseiro com força num
sábado a noite com uma trilha tocando baixinho no MP3? Quem nunca sustentou a
fome por um desejo ouvindo uma canção arrebatadora?
Quem nunca assobiou no mercado? No metrô? Na rua? Sob o
olhar crítico daqueles que não compreendem a felicidade?
Música e sua mágica: É possível beber com os ouvidos?
Sim! Quem nunca aqui “tomou” uma atitude por encorajamento oriundo de uma
canção?
Criamos diálogos imaginários com a memória por uma
simples nota musical. Cantamos a letra sem saber. Dançamos sós. Sorrimos e
falamos como se estivéssemos numa festa.
Suportamos certas distâncias com a música - a saudade
não passa - mas a canção anestesia o sofrimento.
Decoramos nossos problemas com música, embora alguns
prefiram se afugentar dos problemas com o bolso, gastando horrores numa loja de
roupas.
Existe música pra todo um instante, mas quando esse
instante representa um todo, a música muda de sentido, passa de casulo a
borboleta, a mutação transforma a música e eu a vejo.
Vejo-a naquela mulher revestida de gracejos, com um
charme desconcertante para trocar uma lâmpada, com um silêncio entremeado de
indagações, afagos e melindres. Vejo-a na concepção sublime do suor trocado no
edredom, dos beijos acontecidos sem um motivo para acontecer...
Ouvi-la é a mais pura das melodias, até mesmo quando o
verso é parcialmente esquecido, quando o timbre oscila ou quando o ritmo é
ameaçado pelo descompasso...
Quando ouço aquele anjo revestido de gente, tenho a
certeza de que nunca morrerei, porque criarei versos para ouvir do outro lado
de lá, na certeza de que em breve, dançaremos juntos... Novamente.
Com ela abdiquei o rótulo poético do amor à primeira
vista, foi amor à primeira ouvida.
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