A
rua que passo com frequência me rogou uma peça; me fez a tua imagem surgir
inesperadamente.
Sorri
sozinha, em uma espécie de frenesi mudo. Você passou apressadamente, com alguns
agasalhos te protegendo do frio incessante e do vento da moto, coisa de gente
louca. Andar de moto nesse frio confuso de uma primavera aparentemente sem sol.
O
sol está em cativeiro, mas você não. Estava livre, levando alguns tapas do
vento na cara e talvez por isso, não notou minha presença andarilha na calçada
da esquerda.
Gosto
de te ver assim, de repente, como se você fosse um segredo meu. Confissões
alternativas de uma paisagem inusitada inspirada por uma surpresa,
interrompendo uma tarde nostálgica proveniente de um sorriso inevitavelmente
involuntário.
Nossa,
bastou reavivar aquela paisagem para regurgitar todas as palavras neste
parágrafo.
Alí,
naquele breve momento de segundos viscerais, tive a confirmação das minhas
expectativas, outrora desapegada por conta da vida rotineira de um dia frio.
Quando
ando pelas ruas eu me descubro. Em meio a tantas mutações mundanas e
tempestades repletas de contrariedades e oscilações, caminhar é um exercício
ambíguo para mim... Vou além da despedida inevitável que é chegar ao
itinerário.
Caminhando
eu sou uma romancista. Parada eu sou uma alienada devorando os desamparos da
sociedade (ausência de rotina, de algo fixo, de se prender continuamente a uma
meta).
No
mundo de hoje, o efêmero roubou a cena da consistência. Ninguém aprecia estas
breves oportunidades que é ter uma paisagem diante dos olhos.
...
E sem insistência do tempo sua paisagem passou, sem espessura, mas deixou uma
gravura que guardei para mim, naquela tarde de outubro, sintetizando o desejo
de uma nova surpresa, uma nova paisagem...
...
Uma paisagem insensata para a minha compreensão, no entanto, palpável para
dezenas de cenários, literários ou não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário