Ele vivia afoito e como tal seguiu seu passo apressado
e partiu ignorando as mudanças drásticas de seu corpo.
Foi-se embora antes mesmo de precisar do meu braço como
apoio para se reerguer da poltrona...
Também não fez questão de chegar à fase do esquecimento
dos próprios remédios e seus horários prescritos pelo médico...
Pouco se importou com as restrições das pernas e suas
passadas – sonolentas se estivessem aqui – troteando como um bêbado...
Ignorou por completo os ganhos de peso, a decadência da
imunidade e a vingança do espelho...
E foi magistral em trair uma das terríveis forças
mundanas que acompanha a velhice: a solidão.
Não esperou a substituição da cueca de algodão pela
fralda geriátrica. Não esperou as barras de ferro nas escadas. Não esperou o
cansaço fácil e não esperou a despedida a conta gotas, simplesmente partiu.
Não fez questão de acompanhar as vidas vindouras e o
caos que o país se tornou, simplesmente partiu.
Ele não queria dar trabalho. Não queria mudar de vida,
de quintal, de cama, de endereço, sabendo que o novo endereço sacramentaria um
inevitável fim. Não queria que mudássemos os móveis de lugar por conta dele,
nem vigiá-lo como um criminoso 24 horas a fio... Ele queria continuar a ser
livre e só.
Foi sábio em tudo o que fez e – mesmo carente de
compreensão pela sua partida – entendo que sua genialidade enganou o tempo e o
próprio fim, porque só existe fim para aqueles que não acreditam em recomeço.
Tomou a decisão (inconsciente, porém espiritual) de
partir sem que eu desempenhasse o papel de ser responsável por aquela vida para
que ela morresse em paz, aquela vida que me gerou e que um dia (imaginava, eu)
recompensaria de alguma forma a minha existência pelo amor, pela minha
admiração e pela minha escolta por ele.
De certo, ele relutava em abandonar o papel do líder
para viver em suspiros ou em resmungos, dividindo seu tempo entre a cadeira de
balanço, a televisão e a paisagem da rua por isso, talvez, tenha partido.
E os sintomas que ele não rejeitou pela pressa em
partir, fez questão de acompanha-lo desde cedo, como o cabelo grisalho que já
aos 30 e pouco tomava o seu lugar sem dar revogação à reclamação...
Ele chegou aonde tinha que chegar, aonde era possível,
aonde deu pra alcançar, pouco mais da sua décima quinta década, mas chegou do
jeito dele, como dizia Elvis Presley em sua arrebatadora canção.
Diante da sua imortalidade, aprendi que o tempo é uma
mera visão de ponto de vista, mas nunca a visão sobre um mesmo ponto.
Viver é a arte da pavimentação, nada mais que isso.
Abandonem as diferenças e valorizem o Dia dos Pais,
pois somente quem passa este dia sem o seu principal protagonista sabe que o
espetáculo passa batido e sem aplausos.
Um ótimo dia, amigos do bem.
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