Crônicas

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Bateu asas e voou



Cansado de falar a linguagem dos céus, esticou o dedo indicador e pressionou o botão “térreo”.

Sem se dar conta de que parte da troposfera ele se situava, abriu suas asas e - numa ação infantilizada - resolveu planar de olhos fechados pegando carona na imprevisibilidade do acaso... Uni dune tê para os mais céticos.

Planou, planou, planou e... Caiu na América do Sul, acidentalmente no Brasil, infelizmente em São Paulo, ou, em se tratando de um programa de evolução espiritual, felizmente caiu em São Paulo.

De súbito, se deparou com um som terrivelmente agudo ao qual – durante dois segundos – confundiu-se com as trombetas dos companheiros lá do céu... Para a sua derradeira desgraça era o som dissonante de centenas de buzinas vindas de inúmeros veículos enclausurados numa rua estreita com uma propensa “casa de Deus” no horizonte, pontes em ruínas, ruas desburacadas...

É... A Radial Leste deu as boas vindas ao plano terrestre em que ele se encontrava...

Rapidamente bateu asas e voou...

Desceu em uma rua muito mais larga e ampla que a primeira, sentiu uma forte ventania que o remeteu a lembrar da viagem que fez até aqui, no entanto, imaginando que uma avenida mais larga pudesse lhe oferecer uma visão mais encantadora, se deparou com uma cena que o arremessou para os tempos do império romano e seus gladiadores:

Incontáveis veículos de duas rodas sendo pilotados por um monte de pessoas agressivas e grosseiras, proferindo impropérios para quem dirigia os veículos de quatro rodas... Seres com capas pretas que o confundiram com as bestas do apocalipse... A Avenida dos Bandeirantes tinha uma brisa ótima, mas a paisagem...

Rapidamente bateu asas e voou...

Voou, voou, voou... Parou em outros locais e viu milhares de pessoas na mesma faixa vibratória: tendo o relógio como medidor do tempo, a pressa como locomoção e a falta de simpatia regendo seu comportamento.

Resolveu ser mais seletivo e menos ansioso e dessa vez escolheu um local cheio de verde que o fez relembrar do primeiro contato com os seus mentores logo depois da sua desencarnação.

Aterrissou em meio a um local de paz, desprovido de poluição visual e sonora... Bancos enfeitavam este local e pássaros cantarolavam na copa das árvores...

Ele sorriu escancaradamente.

De repente, um ser suado e correndo passou ao seu lado e como um alerta, o advertiu em voz alta:

“Você está sorrindo porque não veio pra cá num dia de domingo. O Parque do Ibirapuera é a personificação do inferno na terra.”

Aquela comparação tão viril o amedrontou, tomou uma água de coco, meditou na Praça do Porquinho e... Antes de bater asas e voar, se indagou internamente como uma espécie de moral da história:

Não importa onde estejamos, com quem estamos ou o que estamos sentindo, se não tivermos um par de asas, fodeu!



segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Felicidade também tem ressaca


Existe ressaca para tudo.

A ressaca traumática das escolhas que se faz quando estamos fora da nossa sobriedade... A ressaca de um cenário de areia e mar... A ressaca de um recuo solitário que se faz necessário... A ressaca de uma cama vazia ou de um lençol compartilhado...

Existe ressaca para tudo.

O início do ano possui um prefácio nutrido de uma ressaca diferente das demais; a ressaca da felicidade, sim, porque ela se esforçou o ano inteiro para te trazer novas tonificações, novos prismas e muitas vezes foi um trabalho em vão, uma hora extra mal paga, porque enquanto ela trabalhava, você estava jogado no sofá.

Felicidade trabalha de dia, de noite, de madrugada, quando chove pra burro, quando esquenta demais... Não descansa em feriado prolongado e não recebe 13º no final do ano, por isso ela precisa de férias.

E como a humanidade em sua totalidade faz do ano uma “ata” (discernida em estágios de atitudes e de promessas), a felicidade escolheu janeiro para curtir a sua ressaca. Uma ressaca coletiva, sentida pelo seu locatário (nós) e repassada para o nosso inquilino, o coração.

... E assim ficamos desse jeito no início do ano: medo de sacrificar os costumes, receio de confrontar-se com as transições e queremos adquirir nossas mudanças pelo dobro do preço só para evitar os juros da pressa.

Sentimos uma solidão cultural, social, emocional e - no afã de evita-las - entramos numa bebedeira entre o coração, a razão e os “mimimis”... Já imaginaram estes três elementos na mesma pista de dança?

O jeito é curtir a música e aproveitar essa miragem alcóolica imaginando que a coragem está lá, do lado de fora, pacientemente na fila aguardando o cartão de consumação para participar da festa.
Logo mais ela estará aqui, transformando este trio em quarteto e dando as boas vindas para eu enfrentar tudo o que me faz congelar.


O fim é a monotonia do bem estar, logo mais tudo volta a ser leve, prodigioso e laborioso com a certeza de que muito se aprendeu nesse interlúdio entre “atitudes e promessas”.