Crônicas

segunda-feira, 27 de abril de 2015

A escolha errada


Desafiou a lógica e rejeitou as uniões matrimoniais protocolares. Optou por viver em primeira pessoa.

Resultado?

Vivenciou uma miragem afetiva consigo mesmo.

Poderia ter desejado aquele amor efusivo, dia após dia, todos os dias. Poderia ter casado com a primeira namorada, mas optou por viver um estágio mais prolongado de experiências...

Também poderia (após as supostas cobaias), casar com aquela que dificultou todos os estágios da conquista e valorizou o seu passe, mas, de tanto valorizar o passe, acabou sendo passada para trás.

Tentou uma relação unilateral, mas se esqueceu que relações não respeitam mão única, protagonizou uma estrada sem possíveis retornos. Parou no acostamento e resolveu pedir carona.

Nessa carona conheceu uma nova cidade, um novo hemisfério de oportunidades e um novo cenário para suas avaliações amorosas... Passeou, analisou, testou e tentou fazer residência, mas também se esqueceu de consultar o seu coração que não gostava de estados nômades de migração.

Investiu pesado em terapia. Ouviu mais do que falou. Devorou livros de autoajuda, assistiu diariamente palestras no you tube sobre entendidos no assunto...

Resultado?

Fez a sua opção, finalmente decidiu por algo; casar aos 30!

Infelizmente, a casa inaugural dos 30 não ofertou nenhuma opção relativamente assertiva e confiante, se linkou por algumas pessoas, mas descobriu que a ligação era por mentiras inteiras escamoteadas por meias verdades. O planejamento dos 30 havia deflagrado.

A fase balzaquiana adentrava e com ela, pilhas e mais pilhas de currículos mal elaborados por recrutamentos mal executados. Opção: Hipotermia sentimental.

Comprou um vídeo game. Adotou um animal. Colecionou DVDs antigos. Resolveu caminhar, malhar, meditar... ... ... Enfim, nada deduzia uma total exclusividade libidinal por algum entretenimento. Adotou a convicção de suas dúvidas sobre como enganar o tempo e deixar a vida transcorrer.

Por fim, ficou só, preso em sua liberdade de escolha. Socializou-se com a sua “sociopatia”. Preferiu o som solitário do motor da geladeira aos sábados a noite. Consolidou-se com o abstrato.

Cansou do supermercado de paixões que havia construído ao seu redor e optou pela escolha errada:
Casar-se com o seu individualismo.

Morreu há pouco tempo, entre o suspiro do arrependimento de não ter se permitido e o desespero de não ter compartilhado amor.


Moral da história: Não existe amor em excesso. Não existe amor em recesso. Existe desamor.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Vamos falar de canções...


Vamos falar de canções...

Cá entre nós, já ouvi tantas melodias até meus 40 anos e alguns meses. Músicas que pautaram uma circunstância, músicas que registraram um momento, músicas que se transformaram em eternas trilhas sonoras de saudade (o pai que se foi, a palavra que não saiu, o sorriso que se engoliu)... Com as músicas reservo-me ao direito da antipatia das lágrimas...

Quantos momentos me imaginei com asas ouvindo uma canção? Quantas muitas vezes me teletransportei sem precisar sair do lugar, fisicamente. Quantas vezes convidei a solidão pra dançar em meio a minha sala insuportavelmente vazia?

E convenhamos:

Quem nunca aqui abraçou o travesseiro com força num sábado a noite com uma trilha tocando baixinho no MP3? Quem nunca sustentou a fome por um desejo ouvindo uma canção arrebatadora?

Quem nunca assobiou no mercado? No metrô? Na rua? Sob o olhar crítico daqueles que não compreendem a felicidade?

Música e sua mágica: É possível beber com os ouvidos? Sim! Quem nunca aqui “tomou” uma atitude por encorajamento oriundo de uma canção?

Criamos diálogos imaginários com a memória por uma simples nota musical. Cantamos a letra sem saber. Dançamos sós. Sorrimos e falamos como se estivéssemos numa festa.

Suportamos certas distâncias com a música - a saudade não passa - mas a canção anestesia o sofrimento.
Decoramos nossos problemas com música, embora alguns prefiram se afugentar dos problemas com o bolso, gastando horrores numa loja de roupas.

Existe música pra todo um instante, mas quando esse instante representa um todo, a música muda de sentido, passa de casulo a borboleta, a mutação transforma a música e eu a vejo.

Vejo-a naquela mulher revestida de gracejos, com um charme desconcertante para trocar uma lâmpada, com um silêncio entremeado de indagações, afagos e melindres. Vejo-a na concepção sublime do suor trocado no edredom, dos beijos acontecidos sem um motivo para acontecer...

Ouvi-la é a mais pura das melodias, até mesmo quando o verso é parcialmente esquecido, quando o timbre oscila ou quando o ritmo é ameaçado pelo descompasso... 

Quando ouço aquele anjo revestido de gente, tenho a certeza de que nunca morrerei, porque criarei versos para ouvir do outro lado de lá, na certeza de que em breve, dançaremos juntos... Novamente.


Com ela abdiquei o rótulo poético do amor à primeira vista, foi amor à primeira ouvida.

Fingindo residência


No ritmo frenético dos passos apressados eu estabeleço o meu luto.

Já não apresso tanto mais os meus passos a fim de evitar a posteridade com um marca passo encravado dentro de mim, para tal, parei de viver o futuro.

....... O meu luto é uma retaliação, um protesto contra a minha saudade que insiste incansavelmente em me fazer relembrar os meus desejos.

Sim, saudade é um luto agraciado pelo desejo, sentimos saudade pelo irrevogável e por uma vontade que jaz em vontade, nada mais, além disso.

Mas a minha saudade se contradiz do populismo prescrito em dicionários ou em livros de autoajuda, minha saudade vai além do senso comum e de uma ordem cronológica.

Sinto falta do que não foi, do que está por vir, numa espécie louca de emancipação do destino. Sinto falta de dobrar a esquina da minha rua e me deparar com árvores, árvores de todas as espécies, juntamente com pássaros de todas as espécies e, na real? Sem muita gente da minha espécie. Sinto falta da cor bege no chão, a cor bege, tanto execrada por estilistas e por entendidos de moda - hoje – o bege (ou pastel) ao qual me refiro possui milhares de pequenos grãos, cansei do cinza do asfalto, muito embora essa cor super me caia bem, no chão, ela já não cai mais.

Meus pés precisam sentir a incerteza do equilíbrio da areia.

Sinto falta dos vínculos afetivos, cansei de pontes, viadutos, paredes e portas, quero uma vida de portões de madeira translúcidos, daqueles que você enxerga quem vem te visitar e a surpresa sorri com a vista.

Aqui, o medo, as preocupações, as angústias possuem CEP, quero fingir residência sem precisar ser alguém pra ser feliz. A saudade nos reserva um vazio, mas na cidade grande, ela se contradiz. Obras e mais obras, britadeiras, betoneiras, centenas de operários gritando de segunda a segunda... 

O domingo perdeu o respeito, ninguém mais o vê passar... Sinto falta do vazio, e a falta do vazio me sufoca feito uma asma congênita. 

E por falar em faltas...

Falta aquela sensação de acordar no sábado achando que é sexta. Falta aquela sensação de ser anônimo, de ser abundantemente você, de se arrumar pra ficar em casa... Eu substituiria o pau de selfie pelo pau arremessado na fogueira com crianças que se divertem com uma simples brincadeira, ao invés de se encantarem com vídeos no You Tube... 

Dividiria meu tempo entre as redes sociais com uma rede em fronte a varanda da minha casa. Queria álbuns vivos dividindo um sábado a noite com taças de vinho, ao invés de álbuns virtuais que só abastecem minhas recordações a cada “like”... 

Sinto falta de ver criança correndo, com o braço quebrado, enfaixado por um gesso rabiscado, com kichute no pé e joelho arranhado.

Não sinto falta das inversões gramaticais modernas!

“Vácuo” para mim é sentir o vento sem construções a minha volta, sem milhares de janelas intercaladas e não ficar no vácuo por um bom dia não correspondido, por um email não respondido ou por um não a prestação. 

Sabe?

Eu não abriria mão da modernidade, mas tá faltando muita humanidade por onde eu optei viver, talvez por isso eu me arriscaria...

Eu arriscaria me perder, me perder longe dessa cidade e do que já fui com ela, e acho que isso tem a ver com a contradição da minha saudade; perder-se em minhas buscas.