Crônicas

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O cheiro bom da vida


Tudo é diferente, entusiasta, estupendo.

É como abrir os olhos num imenso corredor de guloseimas deliciosas, ou mesmo a paisagem pacificadora de uma linda casa no pico de uma montanha.

A gente espreguiça reclamando de alguma coisa, ou pensando nas tarefas chatas, mas isso não cabe a este dia.

A gente estica os braços e pernas e os lábios se esticam juntos, graciosamente, coreograficamente, esboçando um sorriso leve de uma certeza quase incerta de bem estar.

A gente abre o armário como se estivesse abrindo uma carta de uma pessoa estimada. A gente se abre pra vida feita aquela janela teimosa que nunca se fecha, mesmo quando não há vento.

A gente disfarça por amor, e se revela espontaneamente em gestos.

Tropeçamos diante de tantas atrações, de tantos entretenimentos, convites, propostas (noturnas, diurnas, mais noturnas).

A gente se permite, e o medo a gente enfia no cativeiro.

A gente não esbafora, a gente suspira. A gente não se encara no espelho, a gente se flerta.

O andar é diferente, confiante, seguro, consistente. A fala é altruísta, indulgente, solícita.

É o dia sagrado da gentileza, e como tal, não cabe o mau humor. A procrastinação, os resmungos e a insatisfação migram para os Galápagos, convivendo entre os dragões e os répteis de lá, muito embora trombemos com alguns pelo caminho, a gente se torna imune ao seu odor neste dia.

Uma espécie de repelente nos torna invisível perante os que não sentem a energia mágica e por vezes anestésica desse dia.

Nosso olfato capta as melhores essências; o aroma convidativo do café, o cheirinho de campo da torrada, o cheiro do carro limpo, o cheiro de um abraço... O cheiro do sol.

Respirar numa sexta feira não é precisar de ar, é fazer uma nebulização com a alma.

Uma ótima sexta-feira, amigos aromáticos!

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Uma quinta de primeira



Quinta-feira, eu, você e minhas provocações distraindo a sua concentração no filme do Tarantino.

Quinta-feira, porque bondade não é ingenuidade; uma coisa é malícia, outra coisa é maldade.

Quinta-feira, dia de se deixar em paz, porque é o penúltimo dia do ócio e um dia antes do ofício, sexta-feira, sem eira nem beira, uns de coleira, outros na bandalheira.

Quinta-feira, dia sagrado da ausência de postergação; se tiver que apostar, arrisque, se tiver que tocar a campainha com uma garrafa de Sauvignon na mão, toque e se jogue em puxões de cabelos e arranhões antes mesmo de adentrar na sala.

Se não houver atrevimento, não é quinta-feira, volte 3 casas e permaneça na segunda-feira.

Quinta-feira, dia nacional dos amores incertos, mas que, lá no fundo (no fundo da garrafa de Sauvignon) você bem que desejaria que fosse o certo.

Enviou dezenas de mensagens para o destino, mas, como ele é uma criança endiabrada, trouxe este para você aprender a saborear a vida sem precisar se preencher em outros frascos.

Quinta-feira, dia que antecede a tão ludibriosa sexta-feira, por sinal, se fôssemos reparticionar os dias da semana em nosso cérebro, ela, sem dúvida ficaria com o ego; capciosa, petulante, arrogante, cheia de si... Mas a gente, que não é dessa gente, preferimos a quinta-feira, esta sim não depende de ninguém, nem da quarta, nem da pretensa sexta.

Entretanto, e neste texto cabe um tanto, há de se respeitar a 3ª Lei de Newton (ação e reação), a quinta-feira depende da sua inércia ou da sua tenacidade em vivê-la na adrenalina ou na passividade de um filme da sessão da tarde, porém, como a sessão da tarde passa todos os dias (de segunda a sexta), nosso alto astral ainda prefere o inigualável sábado.


O sábado ainda nos oferta a sensação de sair de uma cabine com uma capa vermelha e um “S” no peito, vai entender...

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Basta!


Existe uma fase da vida que a gente deixa de ser aquela silhueta projetada em pessoas para virarmos realidade. É o momento de evitar o sofrimento do calendário, imaginando as razões que te levaram a não estar mais com o passado.

É o rompimento do cordão umbilical com certas satisfações que você tem que dar a certos compromissos, uma espécie de queda livre de um Bungee Jump (sem corda), sentindo o vento na cara.

É a fase do namoro consigo mesmo, de se olhar no espelho e se orgulhar do que é, ou encarar os defeitos, apontar as fobias, sentimentais (ou não) e seguir adiante sem ter que mudar por conta de algo ou alguém.

É sentir uma saudade nostálgica num sábado à noite. É se indagar sobre o que nos leva a ficar lendo um livro num sábado à noite ou libertar a imaginação ao pensar em nossa jornada até aqui... Num sábado à noite.

Sem arrependimentos. Sem ressentimentos. Sem boicote. Sem sabotagem. A gente se convida a participar da nossa vida.

Para muitos isso se rotularia em desapego, para mim, reconstrução individual.

O desapego não é a chave da felicidade, aliás, não existe chave para isso ou para aquilo, as pessoas atribuem a esperança pela felicidade, como sendo um sentido primordial de vivência, de barganha, de escambo e, quando as coisas não vão bem, fogem da realidade sem tomar contato com a mesma.

E como fogem dessa vida? Procurando outra vida. Esse é o grande equívoco que cometem; repassar a nossa vida para uma outra administrar; projeções, expectativas, devoção, entrega, álbuns precoces no Facebook. Divulgamos o pretenso relacionamento como se estivéssemos vendendo uma ideia de exato, de correto, de bem maior.

Viemos com a ideia de que pra ser feliz é preciso ter alguém para preencher tudo que está repleto de vazio dentro de nós, repassamos a nossa sombra adiante e esquecemos que essa encarnação é única, intransponível e valiosa demais para arrendarmos para outrem.

O fato é que todos nós (implacavelmente) já servimos e já fizemos alguém de muleta emocional; ninguém escapa de um discurso bem arquitetado, ou de uma persuasão egoísta bem camuflada. É por isso que a frase de Oscar Wilde nos afugenta tão bem: “Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, muita sinceridade é absolutamente fatal.”

Revogo-me ao direito de ter um período sabático e entender que ausentar-se do valor inestimável que é fazer alguém feliz é temporário, como estar triste ou estar alegre.

Enfim, estar só é correr riscos, mas nos convidar ao autoconhecimento é algo digno de um apaixonado pela vida, pela própria vida.

O apaixonado jamais adia o encontro, e eu precisei me atrasar para entender isso.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Terapia gratuita


Uma vez que eu tenha a convicção de que não caí na terra por descuido, por sua vez, devo aproveitar a estada até que uma nave mãe me resgate de volta para uma nova erraticidade.

O que isso não quer dizer que eu tenha que aproveitar fazendo tudo, as pessoas custam a decodificar essa relação de aproveitar tudo aproveitando o nada.

Repense:

Estamos aqui pela terapia gratuita; seja pelos exemplos de humanidade, seja pelos corações anestesiados, seja pela perseverança de um mundo melhor, de uma vida mais adocicada...   Seja pelas vezes em que ficamos no vácuo a espera pelo ponto final das nossas interrogações.

Aí está a deficiência do populismo moderno: reivindicar resposta pra todo tipo de pergunta. 

Pensamento global, atuação local.

Muitos sorrisos ficam sem retorno, muitos abraços perdem os laços. Temos solução para todo tipo de lágrima, para todo o tipo de rejeição, e aí está o grande barato em viver: A vida pra ser vivida não precisa de respostas, e sim de mistérios.


Gosto de ser a Esfinge, as pedras de Stonehenge, a caixa de Pandora, a caixa de Jinx, menos uma caixa preta, indecifrável, pero no mucho... Aliás, decifra-me ou te devoro é uma frase que deveria ser revista diante deste mundo canibalista, to me esforçando pra ser vegetariano, mas tá fox.

E sem malas prontas eu optei por viver assim. Aterrissei, assentei-me diante do agito atemporal dos temporais humanos. Se crio um furacão em consequência da minha inconsequência, arrumo um jeito de viver no porão. Antes de ser do mundo, eu preciso ser regional, fiz o contrário e agora me convido ao renascimento.

Estou indo atrás de mim porque há muito só fugia, fruto de anos brincando de esconde-esconde, hoje quero brincar de pega-pega.

Certo? Errado? Inapropriado? Não existe certo ou errado, existe culhões. Quanto ao inapropriado, este é uma estrada de mão dupla com acostamento e retorno.

Sabe aquele moleque mimado que não deixa sequer um Playmobil na casa do amigo? Tô assim, não quero me emprestar, to afim de me dividir entre meus devaneios e buscar a soma pelo monólogo temporário, uma espécie de auto psicografia.

Se estou me preparando para exterminar zumbis eu não sei, o que sei é que não preciso mais chamar os Caça-Fantasmas para exterminar meus medos, hoje, faço meu medo ter medo do próprio medo.

No final, a gente atravessa a ponte, para no pedágio, volta algumas casas, gira a roleta e prossegue no jogo da vida, em busca sabe-se lá do que, talvez da efêmera e transitória felicidade.

E por falar na cobiça lendária de todos os seres, como um legítimo aficionado por crases, eu recito Freud: “A felicidade é um problema individual, aqui, nenhum conselho é válido, cada um deve procurar por si, tornar-se feliz”.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

A sociedade pá pum


De alma anestesiada e coração gelado, cancerianos, virginianos, librianos (sim, librianos), taurinos, aquarianos e todo o universo astral, paradoxal, bilateral, dimensional e principalmente consensual, perambulam no que eu chamo de “estranha harmonia satisfatória imediata”.

Acordamos! Alguns dizem. Outros, estamos em sono profundo sonhando uma realidade vil e insensata.

Os que defendem categoricamente o “acordamos”, ressaltam em atitudes um certo revanchismo, um rancor incontido que toma contato com ele inconscientemente, traduzido em noitadas, aplicativos e taças de vinho mal intencionadas.

Em contrapartida, os que proclamam (com demasiado orgulho ferido) o “sono profundo”, decodificam essas ações premeditadas em perversidade, e julgam (e como julgam) a razão dessa classe se imunizar do vírus da paixonite.

Aliás, o sentido de paixão é justamente a rapidez em que ela ocorre, a forma efêmera em que ela se sustenta (causada pelo inédito). A fase inicial mediada pelo encantamento, inclusive, pelos maus hábitos que a pessoa ostenta; tudo nos faz rir e se orgulhar...

O filósofo Mário Sérgio Cortella nomeou – sabiamente – o mundo em que vivemos de “sociedade miojo”, em uma época em que o Orkut era o supra sumo das mídias sociais e que tudo em 3 minutos se resolvia.

Nietzche (o filósofo e poeta bigodudo alemão) defendia que lidar com uma má consciência era muito mais fácil que uma má reputação, incitava a moralidade sendo o caminho da humanidade.

Nosso querido Frejat se equivocou ao dizer que a gente tomaria banho gelado no inverno pelo nosso pretendente, hoje em dia, mal passamos 4hrs de uma noite, mal aceitamos uma divergência, uma distinção de gostos ou uma crítica construtiva: a gente dá um X e espera a próxima foto.

Acordamos? Estamos em sono profundo?

Nos desvirtuamos.

O aplicativo onde pessoas fazem parte de um extenso e degustativo menu, um tipo de “uni duni tê humano” é apenas a revelação de uma “sociedade pá pum” em extensa expansão. Não foi o precursor e nem será o propagador dessa falta de respeito com elegância que fazemos com o amor e com as relações humanas.

A gente consome (pessoas). A gente se vende perfeitamente com selfies e mais selfies em cima da proa de um barco, numa linda paisagem de veraneio ou até mesmo em frente ao espelho, e, seguimos a risca o slogan que uma imagem vale mais do que mil palavras, entretanto, escorregamos no clichê “vocês não perdem por esperar”. A gente simplesmente desaprendeu a esperar.

Mas aí a gente nos faz uma pergunta ao olhar para o céu: “Senhor, se Maria pôde conceber sem pecar, não poderia eu pecar sem conceber?”.

Não se trata de apontar o dedo, mas sim olhar com olhos de ver para o que estamos construindo e o que as gerações futuras terão como legado.

Frase por frase, eu fico com uma outra do emblemático alemão:

“A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo é a angústia mais solitária da vontade”.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O tempo não faz questão...



Ele vivia afoito e como tal seguiu seu passo apressado e partiu ignorando as mudanças drásticas de seu corpo.

Foi-se embora antes mesmo de precisar do meu braço como apoio para se reerguer da poltrona...

Também não fez questão de chegar à fase do esquecimento dos próprios remédios e seus horários prescritos pelo médico...

Pouco se importou com as restrições das pernas e suas passadas – sonolentas se estivessem aqui – troteando como um bêbado...

Ignorou por completo os ganhos de peso, a decadência da imunidade e a vingança do espelho...

E foi magistral em trair uma das terríveis forças mundanas que acompanha a velhice: a solidão.

Não esperou a substituição da cueca de algodão pela fralda geriátrica. Não esperou as barras de ferro nas escadas. Não esperou o cansaço fácil e não esperou a despedida a conta gotas, simplesmente partiu.

Não fez questão de acompanhar as vidas vindouras e o caos que o país se tornou, simplesmente partiu.

Ele não queria dar trabalho. Não queria mudar de vida, de quintal, de cama, de endereço, sabendo que o novo endereço sacramentaria um inevitável fim. Não queria que mudássemos os móveis de lugar por conta dele, nem vigiá-lo como um criminoso 24 horas a fio... Ele queria continuar a ser livre e só.

Foi sábio em tudo o que fez e – mesmo carente de compreensão pela sua partida – entendo que sua genialidade enganou o tempo e o próprio fim, porque só existe fim para aqueles que não acreditam em recomeço.

Tomou a decisão (inconsciente, porém espiritual) de partir sem que eu desempenhasse o papel de ser responsável por aquela vida para que ela morresse em paz, aquela vida que me gerou e que um dia (imaginava, eu) recompensaria de alguma forma a minha existência pelo amor, pela minha admiração e pela minha escolta por ele. 

De certo, ele relutava em abandonar o papel do líder para viver em suspiros ou em resmungos, dividindo seu tempo entre a cadeira de balanço, a televisão e a paisagem da rua por isso, talvez, tenha partido.

E os sintomas que ele não rejeitou pela pressa em partir, fez questão de acompanha-lo desde cedo, como o cabelo grisalho que já aos 30 e pouco tomava o seu lugar sem dar revogação à reclamação...
 
Ele chegou aonde tinha que chegar, aonde era possível, aonde deu pra alcançar, pouco mais da sua décima quinta década, mas chegou do jeito dele, como dizia Elvis Presley em sua arrebatadora canção.

Diante da sua imortalidade, aprendi que o tempo é uma mera visão de ponto de vista, mas nunca a visão sobre um mesmo ponto.

Viver é a arte da pavimentação, nada mais que isso.

Abandonem as diferenças e valorizem o Dia dos Pais, pois somente quem passa este dia sem o seu principal protagonista sabe que o espetáculo passa batido e sem aplausos.

Um ótimo dia, amigos do bem.