Crônicas

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Adereços


Passei meu Carnaval me sentindo um folião do amor.

Sou daqueles que vão totalmente contra a este movimento que nos rodeia numa espécie de “obrigação de sermos felizes” suando dentro de blocos de rua.

Não apresso minha velhice com a juventude desse período - em troca – acumulei afagos, carinhos e sorrisos infindáveis por horas a fio.

Enquanto o mundo pulava lá fora - insandecidamente - como se não houvesse crise hídrica, nós nos banhávamos de abraços matinais onde os lençóis e o edredom dividiam o “abre-alas” de mais um dia.

Nosso entretenimento era ímpar e raro nos dias moderninhos de hoje; trocamos o copo de plástico amarelado por uma sala de cinema com o filme preferido dela.

Optamos por um passeio no bairro da Liberdade para conhecer novas culturas a se embriagar na Vila Madalena.

Desligamos a insuportável Globeleza para um jantar com amigos regado a histórias inebriantes.

Substituímos os horrorosos abadás por um passeio no Mercadão da Lapa.

Nosso entretenimento foi jogar dominó, combate, sinuca, vídeo game e qualquer outra coisa, menos ser um folião solto na vida.

Sim, porque a folia acaba, a cerveja esquenta, o desodorante vence e tudo se transforma – metaforicamente – em cinzas.

Passamos o feriado prolongado prolongando ainda mais o que já se prolonga há meses: O nosso mundo.
Abandonamos as lantejoulas e a peruca rosa e trocamos o “tentar ser algo” pelo “estou sendo eu mesmo”.

Moral da história:

Para quem substitui a máscara de Carnaval pela permissão de arriscar algo, jamais vive uma quarta feira de cinzas.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Bateu, entrou e ficou


Não foi só ela que bateu na porta, entrou e ficou...

Entrou o lado doce da vida dissolvendo as amarguras dos dias indigestos. Entrou o sorriso contínuo que tirou o lugar da felicidade sem criatividade.

Entrou com ela a gravidade da Lua, pairando no ar a saudade mal esquecida quando ela resolve sair temporariamente... Ela vai e volta, e quando volta, bate na porta, entra e fica.

Bateu na porta, entrou e ficou... 

Ficou junto com a sua massa envolvente e sedutora, os valores invisíveis a minha retina, sobretudo, palpáveis aos meus outros sentidos - hoje - pareço um louco desvairado a ouvir melodias sem música, aroma sem cheiro, tato sem retrato.

Entrou com ela à organização do meu mundo, a conclusão das minhas mudanças, a determinação das minhas causas, o planejamento de uma vida nova que começou aos 40.

Entrou com ela a calma que faltava para a minha alma. A plenitude das minhas atitudes.  A certeza das minhas dúvidas. A leveza dos meus antigos pesares.

Entrou com ela o senso de moralidade, estabilidade e direção, dispensei até meu Waze porque hoje já não me perco mais!

Entrou com ela algumas obviedades de mulher; a demora na hora de se arrumar, a serenidade na hora de acordar, as orientações rotineiras aliadas à minha pressa, minha ansiedade e minhas críticas - obviedades que juntas - formam um casal moderno.

Com ela veio a ressureição da própria casa: a cozinha tem um sabor indescritível, a sala está mais convidativa e atrativa, o banheiro possui a calefação exata na horo do banho e o quarto, bem, o quarto permanece uma confissão a dois, deliciosamente a dois.

Ela bateu na porta, entrou e ficou, e com ela os marcadores de página desistiram de fazer moradia em meus livros; hoje, eu tenho uma linda história pra contar.

E com ela a minha solidão, os meus questionamentos e os meus anseios mudaram de CEP!

Hoje, me sinto mais cheiroso, mais confiante, mais produzido e até mais charmoso. Hoje não me sinto mais provisório e quando me perguntam sobre o que é o amor, seu rosto é a mais pura definição!

Hoje – graças a sua permanência – não existe mais o medo daquela travessura que o amor me pregava, tocar a campainha e sair correndo. 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Ilusão recalcada


Sabem por que a vida nunca acaba?

Ninguém quer ser o primeiro a chegar a algum lugar... Ninguém quer ser o desbravador de uma caverna subterrânea ou regiões incultas pelo homem... Ninguém quer ser o pioneiro em sua vocação, o precursor em seus propósitos de vida ou o dianteiro em suas conquistas...

... Isso é função para os que se limitam a fazer honras imediatas, a serem heróis por um minuto e a cravarem seus nomes nos anais da história.


O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não!

Sabem por que a vida nunca acaba?

Ninguém quer ser o primeiro beijo na vida de alguém... Ninguém quer ser o primeiro nos lençóis da vida de alguém... Ninguém quer dar o presente mais inesquecível, o fora mais desconcertante, o adeus mais agonizante, a notícia mais aguardada... Ninguém quer ser protagonista pra nada!

Ninguém quer ser o primeiro amigo.

Sabem por que a vida nunca acaba?

Não nos interessa ser o primeiro, e sim o último!

Temos um segredo inconfessável em sermos o último a passar por aquele lugar que tanto nos arremessa para lembranças inebriantes.

Temos uma vontade incontida de sermos a última visão na vida de outrem, não importa se o mesmo esteja indo morar fora, ou mesmo num leito de hospital.

Temos uma paixão-quase-amor em sermos os posteriores, em seguirmos a ordem do tempo até que o tempo se torne uma mera questão de tempo.

Somos ávidos a visitar o que já foi visitado, a testar o que já foi ensaiado, a provar o que a audiência endossou...

Somos instantes que necessitam de estantes. Queremos a exclusividade, não a casualidade. Queremos a continuidade, não a atualidade.

Estamos entre a sobrevivência insossa e a vida extasiante, só depende de nós, e sabem por quê?

Porque somos uma vaidade indispensável, uma insegurança arrebatadora. Seres distraídos por nossas buscas efêmeras e por nossos desejos infinitos – entretanto - existe uma maneira de perpetuar o eterno: 


Insistir, confrontar, questionar, reivindicar, debater, tentar incansavelmente, construir e demolir.

A gente só eterniza nossos momentos como uma fotografia a partir do instante em que persistimos arduamente sem se dar conta da sua própria eternidade.

Sabem por que a vida nunca acaba?

Porque somos instantes que se renovam para que os nossos melhores momentos nunca cheguem ao fim.