Crônicas

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Mundo dos Pinóquios



Um tanto de um monte pode ser - ainda assim - o resto de um pouco, depende da ótica e da necessidade.
De alma anestesiada e coração gelado, aquarianos, cancerianos, capricornianos, geminianos, virginianos, sagitarianos, librianos (sim, librianos) e todo o universo astral, paradoxal, bilateral, dimensional e principalmente consensual, perambulam e trafegam no que eu chamo de E.H.S.I (“estranha harmonia satisfatória imediata”).

E.H.S.I. O que se mostra por fora e o que se é por dentro.

Confundimos constantemente essência com aparência. Todo mundo quer exibir uma felicidade ideológica de bem estar, geralmente visto em casais que acabaram de se separar. Antes do litígio, a suposta progressão de uma relação duradoura por meio de fotos, check ins e declarações. Pós litígio, uma felicidade transbordantemente chata, como se a vida tivesse ficado bem mais atrativa com o kick na bunda.

Mas não são só as relações frustradas que fomentam as redes sociais.

Vivemos numa época paradoxal onde tenho medo de imaginar qual será o seu legado para as futuras gerações.

Época que - em detrimento do poderio bélico digital – nos revela uma inóspita dicotomia:
Nos aproxima nos afastando.

Nos separa pela manipulação da mídia, nos distancia pela intolerância de opinião e nos faz guerrear verbalmente pelo confronto das verdades absolutas de cada um.

Sim. Nos tornamos juízes detrás de um teclado cuja a intenção é discordar, reclamar, ofender e xingar quem não faz parte da sua “bandeira”.

Pseudos nacionalistas participando de ONGs, defendendo o partido “x” fazendo selfie com roupa da Guaraná Brasil.

Pseudos moralistas destilando duras críticas em assuntos que surgem nos canais informativos de páginas do Facebook curtindo foto de depravação e dizendo “bem feito” pra corrupção.

Pseudos intelectuais que se dividem em esquerdistas e direitistas se digladiando em posts nas mídias sociais acreditando que essa divisão realmente existe. Se ofendem demasiadamente com apelidos infantis, mas se esquecem (ou não sabem) que o esquerdismo de hoje foi o socialismo de ontem.

Pseudos progressistas relativizando a crise postando em seu feed de notícias dicas para evitar o caos hídrico.
Pseudos ressentidos/vitimistas/sensacionalistas/passionais fazendo selfies melancólicas, de sofrimento por algum tipo de mazela como preconceito e fobia, mas que no fundo, clamam para serem aceitos na sociedade.
Que maldita mania de querer ser incluído em tudo.

Obesos, transexuais, nordestinos, anglo saxões, gente de esquerda, gente de direita, progressistas, homossexuais, homofóbicos, todos tentando enfiar goela abaixo as suas verdades, quando na própria verdade, todos estão vivendo uma mentira insólita e surreal... Vivemos na mão da contradição encharcados de barro até a cabeça porque nos enfiamos na lama.

Pessoas incapazes de compreender a própria incapacidade atacando a competência alheia, artimanha diabolicamente promovida e disseminada pela mídia televisiva, digital e impressa, que assiste por “cima das nuvens” uma audiência baseada no conflito e no fundamentalismo, mas tudo bem, dá dinheiro, não é mesmo?

Vivemos num mundo de Ariel, onde o faz de conta nos trás a conta do que poderia ter mudado se pensássemos na prevenção antes da reabilitação.

Agora, vivemos num mundo de Pinóquios, aonde pessoas vão às ruas por 20 centavos, mas lotam os bares de segunda a segunda confabulando uma situação adversa a realidade, de sorrisos, de satisfação plena e de diversão congênita.

O que mostra por fora e o que se é por dentro. Estamos nos viciando pela inutilidade e pela futilidade.
Mesmo vivendo em um Mundo de Pinóquios, quando eu vejo uma imagem dessas acredito que ainda é possível nascer, ao invés de ser fabricado.


Precisamos nos refazer pelo bem porque ao contrário do Pinóquio, quem mente o nariz não cresce... Infelizmente.

Me conte sobre nós


Me conte sobre nós, ando me distraindo pelas distrações corriqueiras do intrépido cotidiano, por mais insanidade que pareça, estamos sempre nos perdendo de nós e - vez e outra - necessitamos daquela puxada nos pés e de uma âncora amarrada a nossa cabeça.

Firmar o pensamento. É isso.

Me conte sobre nós; fora a reforma íntima sobre as minhas dispersões existe algo que preciso entender, saber, descobrir? Eu mesmo me passo para atrás algumas vezes; sou esquecido, sou prolixo, sou descuidado, mas jamais deixarei de ser um apaixonado.

Me conte sobre nós; sei que as obrigações e responsabilidades que eu mesmo construo me fazem vivenciar uma relação torturante comigo mesmo, parece que eu tenho um prazer sado em perpetuar certos sofrimentos, não é mesmo? Quando tudo está nos trilhos, a gente desce do trem e inverte a bifurcação, coisa de gente grande.

Me conte sobre nós. Me enxergo com certa miopia quando estou angustiado. Me vejo no espelho e tento me notar inversamente, sendo eu próprio porque sei que o espelho é astuto e dissimulado, ele mostra a minha senilidade, mas jamais a minha decrepitude moral.

Eu preciso rejuvenescer os meus valores e me propor ao desafio inóspito de uma revisão punitiva acerca do meu egocentrismo escancarado.

Falar de si mesmo desafia a observação imparcial. É invocar fantasmas, ressuscitar antigas personalidades emergidas de mim mesmo com a finalidade de reunir todos os responsáveis do passado pelas angústias que afloram neste presente, por isso estou aqui, com certo descaramento, mas com muita audácia e atrevimento convidando a pessoa que mais me faz sentir presente nesta sala.


O debate está aberto. Me conte sobre nós. 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Viagem distraída


A viagem mais difícil do ser humano não está nos obstáculos das enormes filas da rodoviária do Tietê em pleno feriado.

A viagem mais difícil do ser humano não está em um possível turismo para Marte, nem tampouco se aproximar fisicamente ao Titanic há quatro mil metros de profundidade sem a ajuda de robôs.

A tua viagem mais difícil não está em refutar o passeio de férias da sua filha de 12 anos juntamente com os amiguinhos da escola.

A tua viagem mais difícil está dentro de você, sem pavimentações palpáveis, sem piche, sem cimento, apenas com um pouquinho de audácia e atrevimento.

Audácia e atrevimento.

Audácia, sempre exibida como material abundante nos filmes de heróis e nas figuras históricas que permearam as épocas medievais.

Atrevimento, confundida invariavelmente por petulância, faz parte do conjunto de palavras dúbias do nosso dicionário, mas, em detrimento do texto e do que busco transmitir, prefiro adotar a ideia exata de enfrentamento e confrontamento sem excessiva confiança pela certeza do caminho.

Coragem além da inteligência é usar o coração como instrumento de navegação. Atrevimento além da presunção é amaldiçoar a própria viagem. Audácia além da transposição de medo é desafiar os limites.

O que escolhemos para nós? Qual é o caminho menos ardiloso, menos arenoso e com júbilos e libido constante?

Muitos reclamam soltando ao vento a seguinte frase: “Gostaria de ser livre como um pássaro”, mas quem disse que o pássaro é livre? Ele não escolheu nascer com asas e não pode não deixar de voar, tua vida se resume ao céu por aceitação, a nossa, se resume ao inferno por indagação.

Não aceitamos nossas escolhas. Não sabemos não viver sem reclamar.

Outros balbuciam sobre a falta de dinheiro e a associam estupidamente ao sucesso e aos orgasmos materiais.

Quem nasce em berço de ouro vive com a angústia de perder o dinheiro que tem. Vive com receio de sequestro, convive com a sombra da aproximação por interesse, do amor de alpinistas sociais, vulgo mulheres interesseiras a procura dum porto seguro.

Como ninguém pode ter medo de perder o que não tem, dessa tristeza não morrerei, assim como muitos por aí, creio eu!

Qualquer caminho escolhido será difícil. Não existe moleza. Existe complexidade. A complexidade do básico e o básico está em compreender que somos protagonistas e antagonistas da nossa realidade.

Realidade, sim.

Não substitua o contato pessoal com você, permita-se ao tédio, ele é decisivo para você construir uma vida criativa e quem sabe assim, entender um pouco mais sobre as tristezas inesgotáveis dos caminhos que você escolheu, afinal de contas, a gente não suicida nossos hábitos, nós aprendemos a conviver com eles tal quais os insetos, o tempo quente ou a chuva torrencial do caminho que optamos seguir viagem.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O não pelo perdão


Não. Um dos primeiros fonemas que ouvimos assim que a nossa cognição dá as boas vindas em nossas vidas.

Não.

Um minúsculo elemento sonoro capaz de estabelecer uma distinção de significado entre as palavras, entre as condutas e principalmente entre as permissões.

Sim.

O não pela inaceitação. O não pela ilusão do conformismo confortável. O não pelo falseamento das nossas ideologias.

O não pela própria ideologia, desde que ela seja pura e simplesmente um desejo.

Desejo não concebido, não sanado, não saciado é utopia.

O não pela maquiagem social. O não pelas nossas irrealizações projetadas por nossa ideologia de certo ou errado, desde que a ideologia seja uma condição de dominação.

Ideologia. Vou na onda de Karl Mark: “ideologia age mascarando a realidade”.

O não pela vida não pulsante. Vida morna. Vida inativa. Vida cansativa, compassiva demais.

O não pelo esconderijo do romantismo. Pela chancela de um sorriso. Pelo espanto de um gesto bom.

O não pela abstinência de reforma, não de reforma da cozinha, do banheiro ou do escritório. O sim pela reforma interna e – como diz um excelente livro – o sim pela reforma íntima sem martírio.

O não pelo previsível contínuo. O não pelo automatismo. O não pelo pragmatismo porque tudo que é demais enjoa. Seja de kichute no pé, seja de barco, canoa ou iate, a mesma paisagem deixa de ser uma obra prima pra virar quadro de pintor de Avenida Paulista.


O não pelo perdão. O que não conseguiremos executar nessa vida, postergaremos para a próxima, mas devemos entender que um futuro sem o perdão do passado é a estagnação de um presente sem fim.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Os mornos não têm juízo



Temer ou não temer, eis a questão que se faz do seu juízo.

A ideia de que seremos “questionados” ou indagados perante Deus sobre nossas obras aqui neste planeta escola me faz repensar sobre o juízo Final.

Juízo final...

De fato, o final é inexorável, o que me assusta mesmo é o juízo.

Juízo do que algumas pessoas fazem do seu próprio juízo e da maneira como conduzem a sua vida.

Juízo final...

O que fizemos e o que não deveríamos ter feito e fizemos?

Ou melhor:


O que não fizemos e por que fizemos do jeito que achamos que deveria ser feito?

A crença de um julgamento do homem tendo Deus como juiz levando em consideração os atos executados por este me espanta.

Mas o que é o Juízo Final?

Eu tenho uma ideia!

A divindade suprema (opinião privada de cada um) chama o sujeito eloquentemente em particular e – com uma mão carinhosamente em seus ombros – lhe pergunta:

Filho, o que foi que você fez durante toda a sua vida?

Uma pergunta simples, entretanto, em detrimento de seu sofrimento contínuo e unilateral em busca do poder a qualquer preço, do ter sem pensar além do ter e do pouco pelo saber, é impossível responde-la em 5 minutos.

Gaguejou... O sujeito - sabotado por uma gama avassaladora de pensamentos, culpas e receios - gaguejou, hesitou, vacilou, fraquejou, bobeou, transformou uma pergunta decisiva em um silêncio morno.

Conhece gente morna?

Aquela que economiza sorriso, que poupa questionamentos, que não admira o ato de contestar, que fala gesticulando a cabeça em tom de aceitação, que conjuga a cautela como consternação absoluta do seu cerne.

Gente morna... Abraça de lado, não sabe o que é apertar uma mão, desconhece o medo pelo fracasso ou a descarga emocional pela conquista, vive de “sei lás”, de “tudo indo”, de “seja o que Deus quiser”.

Gente morna... Tanto faz para as despedidas, tanto fez para as permanências, vive sem ter muito o que fazer num mundo onde se precisa de gente pra se fazer muito. Acredita piamente nas fórmulas e justamente por isso, não altera alguns coeficientes fundamentais para o seu aprimoramento, simplesmente vive assim, morrendo vagarosamente, dia após dia, suspiro após suspiro, sem se dar conta de que todo ser – por mais medíocre que seja, necessita deixar algum tipo de legado.

Nem fria... Nem quente... Gente morna.

Enquanto muitos se julgam diariamente compreendendo que a razão é oriunda da alma, gente morna prefere a cautela pelo não risco, a ocupação de matéria e ponto final... Apertam “esc” para a ousadia e dão “enter” para os atalhos da vida.

Atalhos da vida... Encurtar um caminho é reduzir o sofrimento e diminuir o conhecimento porque a gente só aprende na dor e só se agiganta perante os desafios, por isso que viver contraria a matemática: viver (dividir) é igual a somar (compartilhar).

Trocar é crescer, isso é viver. Quem não troca não se equivoca e quem não erra não aprende a crescer. Viver é a capacidade de partilhar, por isso a vida é um milagre para os inquietos... Não para os mornos.

E aí você me pergunta:

Mas todos nós sairemos de cena um dia, a vontade em permanecer não importa, correto?

Sim, é verdade, mas se você entender a máxima que o único jeito de ficar é fazer falta, você será eterno, aqui ou em qualquer outro lugar.