segunda-feira, 26 de maio de 2014
Fingimento velado
Ainda não treinei uma habilidade de decodificar teus pensamentos, mas sugo todas tuas vibrações quando estamos aquietados no colchão dessa casa.
Você; absorta, inocente, frágil... Encantadora.
Com você, enxergo nitidamente sem a retina embaçada pela miopia do mundo lá fora.
E assim, fingimos apenas que não estamos apaixonados, só para não dar tanta coragem para à loucura de certos impulsos.
Te conheço melhor do que você finge ver.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
Umbigos
No seu umbigo transitam intermináveis momentos de
presunção e certeza acerca do que o seu empreendedor recita. Um CEO astuto,
ardiloso e sorrateiro ao qual você fidedignamente o segue sem olhar para os
lados, sem perceber as arestas.
Ego!
A explanação absoluta e soberana da sua ilusão de
super-herói.
Esqueça o desânimo, o fracasso e as topadas. Quem chama
para si a vaidade que gravita em torno do seu umbigo não tá nem aí para estes
tormentos, eles são mínimos desconfortos do plano físico e um rombo do tamanho
da camada de ozônio para o plano espiritual.
Conjugamos o verbo ter e esquecemos por completo das
aulas de português sobre o verbo ser.
Na adolescência dos oitentistas de plantão
perguntavam-lhes: O que você quer ser quando crescer?
Hoje, na volátil e canibalesca sociedade a gente
pergunta para a criança: O que você quer ter quando crescer?
Estamos deturpando os nossos conceitos?
Ter e não ser, eis a questão.
A personalidade - de muitos - se confabula diante de um
guarda roupa e de um belo condutor na garagem. Comprar é inebriante, enfeitiça,
enaltece, sobrepuja o dia que foi ruim, ressalta o alto astral que estava
neutro, traz a ilusão de uma Lua de Mel permanente.
Nenhuma tragédia tira a graça de sair de uma loja
treinando bíceps com dezenas de sacolas.
Nada como uma linda bolsa, um charmoso Scarpin ou a
compra de outro carro para aniquilar uma personalidade.
E diante dessa luta a qualquer preço pelo “ter”,
esquecemos que o papel da vida se adultera juntamente com os nossos valores.
O solteiro vira banqueiro. O papai vira Papai Noel. A
esposa vira sócia. Os amigos viram sanguessugas.
A desconfiança seria a sua graduação. A soberba a sua
negociação. A emoção o seu cartão de crédito.
Somente quem prestou atenção nas aulas de português sabe
dar valor a ordem natural da oração; até mesmo no abecedário o ser vem antes do
ter.
Quem busca a evolução como ser humano não troca o
sacrifício da conquista pelo pragmatismo das coisas fáceis conseguidas sem
esforço.
Essa gama reduzida e rara de pessoas não abandonam o
bom gosto, mas optam por aquilo que dá gosto. Não desfilam diante de um
conglomerado de gente, caminham como se fizessem parte de um todo. Não se
justificam, esclarecem. Não desperdiçam, aproveitam cada segundo porque
respeitam a incerteza do amanhã.
Quando se encaminhar para uma lotérica e for abordado
na saída por algum repórter que certamente lhe perguntará o que você fará
depois de milionário, corrija a pergunta dizendo: O que eu deixarei de ser
depois de milionário.
domingo, 11 de maio de 2014
Duas consoantes e uma vogal
Jamais – e digo isso por toda gramática – houve tamanha
conjunção afetiva e amorosa entre duas consoantes e uma vogal, rompendo
paradigmas de que a fidelidade pra ser digna necessita de um romance entre
dois, não entre três.
Aqui, nessa união fraterna de palavras, frases e
intenções, vamos apelidá-la temporariamente de “trio”.
Um trio que – muitos milhares de anos – antes de
qualquer escravidão, ditadura, preconceito ou dogma, já sobrepujava estes
protocolos banais, afinal de contas, por que tudo pra ser lícito ou correto
precisa ser praticado no plural?
Eis a prova cabal do quanto este trio nos encanta
despretensiosamente e, muitas vezes, querendo não querer.
Uma benção mental:
- Um trio que inventa necessidades constantes para ser
reconhecido, assim, novamente.
Um descuido sempre cuidadoso:
- Nunca se distrai com as regras e faz questão de
reclamar até mesmo quando não tem a razão (se é que não tem).
Uma cautela exageradamente moderada:
- Evita elogios para não estragar o “não elogiado”.
Uma vontade decodificada:
- A sua lista de chamada consiste na saudade, as
críticas sempre acompanham a vontade de estar junto, ou aquele nosso sumiço
repentino de 48hrs.
Conselheira inesgotável:
- Nos avisa sempre para: Vestir sempre um agasalho a
mais. Pegar o último bife da travessa. Ligar para as tias nos respectivos
aniversários.
Defensora incansável:
Sempre expõe nossos defeitinhos para as visitas, mas
ouse reclamar ou fazer qualquer crítica de nós para ela.
Um silêncio falante:
- Sua ausência de diálogo nos provoca frio na espinha e
mão suada denotando que fomos descobertos por aprontar alguma traquinagem que
nossa vã soberba achava que isso jamais seria possível.
Lancheira. Metiolate. Danoninho. Hipoglós. Toddynho.
Beijo na testa.
Intersecções que não se estabelecem como pontos
cruzados e sim como um conjunto composto de elementos comuns, mas que se
divergem de vez em quando só para manter a harmonia dessa composição.
E já que falamos em intersecção de três letras, que tal
uma análise matematicamente morfológica?
M+A+E = O nosso mais amplo significado de existência.
E o início de qualquer alegria é saber que mãe não tem
fim, por isso ela é inédita diante de qualquer rotina.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Mulheres raramente colocam um fim
Antes de adentrar no tema proposto, trata-se de um
assunto debatido entre Bolinhas, onde as Luluzinhas também podem participar,
ok?
Reticências. Assim é o término da relação para muitas
mulheres (sem generalizações).
Talvez o desafio maior esteja no desenlace afetivo, na
certeza absoluta de que não haverá mais “Aquela forma de acolhimento quando o
mundo desabava”, “O jeito de desenhar carinhos em seu rosto”, “Os conselhos
atenciosos e cuidadosos que ele dizia”, “A forma que ele tinha de se comportar
no pós coito, assoprando levemente o suor das tuas costas”... E por aí vai...
Até então, nada não óbvio uma vez que a permanência de
uma relação consiste mais no “que te faz vibrar” do que no “que te faz chorar”.
O certo é que com o tempo vem à rotina e a falta de
ineditismos. A relação fica rasa, opaca e pesada, se torna um fardo, um karma,
menos uma missão: a missão de te fazer doar o seu melhor.
Romper e voltar, voltar e romper. Talvez traga para as
mulheres um súbito anestésico moral e emocional: O fato de achar que "terminando
e voltando" os problemas e as divergências sumirão.
A carência pode interagir te fazendo pensar que
“perdoando” ou “cedendo” tudo voltará exatamente como era quando se conheceram.
A questão é que não existe recomeço pelo começo, e sim retrocesso pelo fim, e o
fim dá novas tônicas para um novo fim, não pelo começo que você insiste em se
convencer.
Mulheres não quitam o fim, elas fazem a prestação,
dividem em longas parcelas imaginando que estão contribuindo para a boa saúde
da relação. Ledo engano.
É como se fosse o empréstimo financeiro para a
construção da tão sonhada casa, porém, na ordem inversa, cada mês você (ou ele) derrubam um tijolinho, depois a viga, depois a janela e por fim o telhado.
A justificativa é quase sempre a mesma: repensar sobre
a relação.
Defendo a tese de que quando eu repenso em fazer algo,
aquele algo já não me faz pensar como antes, ou seja, há de se permitir a novas
nuances; curtir os amigos, tomar um chá com a solidão, abusar do cartão de
crédito, zapear de montão pelo Tinder e por aí vai...
Tudo, tudo, tudo, menos o recomeço por aquilo que você
ainda imagina que seja tudo para você.
Sabe aquela roupa que te faz heroína só de colocá-la na
frente do espelho? Que te faz bem, que te inunda de autoconfiança? Pois bem,
ela já tá toda manchada, com furinhos e desbotada, passe pra frente.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Dedicação desamparada
Certo dia olhou pra vida e disse: “Ok, vou te levar a
sério”.
A pura flexão feminina do abandono: A dedicação.
Tal qual um panfleto de porta de Faculdade, entregou o
seu coração para o primeiro que viu. Corajosa.
Somos instantes inconstantes em busca de coisas de
repentes sem nada aparente. Vivia no salto alto do exagero, desfilando na
passarela da extravagância.
E quem nunca se perdeu fazendo manha pra si mesmo? Por
que todo ser supostamente pensante acha que mimos, agrados e presentinhos vivem
no plural?
Odeio convencionalismos. Eu nasci pra me ver renascer,
sem vinculação afetiva... Se vier, tá ótimo, se não vier eu vou na contramão da
pedagogia tradicional.
Já faz um tempo que não descubro desenho em nuvens. Já
faz um tempo que não me pego rindo despretensiosamente. Já faz um tempo que
brinco de pega-pega com o amor, mas o ordinário insiste no esconde-esconde.
Lembranças recorrentes de um passado pavoroso? Tratei
muita gente feito pão amanhecido e cá estou a aprender que na vida cabe o
esconde-esconde o pega-pega e também o boomerang.
Hoje procuro um locatário para o órgão pulsante, alguém
que moderadamente tire a poeira debaixo das bugigangas, alguém que tire as
folhas secas do outono de frente a porta... Mas sem aquele papinho de
dominação, afinal de contas, manutenção não tem a ver com posse.
Aaahhh, o boomerang, este infalível objeto de arremesso
que coíbe qualquer “talvez” ou qualquer “sei lá”.
A sua simetria, o seu formato cientificamente
confeccionado e, principalmente, o seu retorno, o que de certa forma, sintetiza
magistralmente o planeta escola em que habitamos... Tudo que vai... Volta... E
muitas vezes volta na cara acompanhado de uma força G descomunal.
E você aí achando que suas idiotices eram a prova de
bala e se esqueceu de que quem passa muito tempo olhando para o umbigo, morre
de torcicolo.
O fato é que escolho demais e ainda assim, tropeço
demais. A educação caseira me iludiu compulsoriamente ao passar a imagem de que
quem escolhe reduz os percalços.
Será?
O fato é que vivo na era transitória do “amor na
casinha de sapê” e da “devoção à conta gotas”.
Uma espécie de hipotermia sentimental me invade a alma.
Quero sexo, mas não quero esticar meu braço logo pela manhã e me esbarrar no tórax de alguém. Quero ser flertada, cortejada, pegada, cobiçada, mas não quero dar satisfação de quem me chama em meu whatsapp.
Quero sexo, mas não quero esticar meu braço logo pela manhã e me esbarrar no tórax de alguém. Quero ser flertada, cortejada, pegada, cobiçada, mas não quero dar satisfação de quem me chama em meu whatsapp.
E vivo a me perguntar com certo escárnio:
As pessoas ainda se amam? Ou amam ainda se?
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