Crônicas

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Travessuras sim. Gostosuras não!



O amor anda assustado, medroso, covarde, bundão mesmo... Sem vontade de sair de traz da penteadeira, tomou um susto tão grande que ainda acha que os monstros não abandonaram a casa, estão a espreita esperando ele sair para fazer suas necessidades fisiológicas.

Necessidades fisiológicas?

Sim, ou você achava que o amor é um semideus?

O amor tem vontade de ir ao banheiro, de falar palavrão, de ser indelicado (ás vezes), de se irritar e de enganar também... E muitas vezes ele faz tudo isso de uma vez só.

Enfim...

Agora não mais. Antes ele era o dono da verbete, o fodão do discurso engajado e o top one da cobiça (todos queriam ele, a qualquer custo).

Ele revitalizava, enobrecia, engrandecia, rejuvenescia e de quebra, ainda era um “nobreak” na vida alheia, bastava à energia se esgotar que lá estava ele para te dar um “up”...

Agora ele se encontra encolhido por detrás de um móvel velho, empoeirado e esquecido... Esperando impacientemente a desistência inesperada dos monstros...

Mal sabe ele – o amor – que os monstros só querem diversão, ou doces em troca de travessuras... E mal sabem eles – os monstros – que se eles não tivessem esta aparência aterradora, o amor já estaria fazendo parte da brincadeira, porque ele cansou das pessoas e hoje não troca uma travessura por uma gostosura.

Mal sabe ele – novamente o amor – que os monstros que estão brincando de “pega pega” com ele, são amigos divertidos interagindo com a data festiva de Halloween...

A vida se recicla e os problemas se renovam, é quase que um casamento em comunhão de males, e o amor ainda não aprendeu a manobrar a travessura de que os verdadeiros monstros estão sem máscaras, são exímios vendedores de sua patente e estão por aí, todos os dias, sem precisarem de uma festa ou data para mostrarem sua autêntica fantasia...

Talvez ele já esteja sentindo os sintomas desse medo de sair da penteadeira, talvez – inconscientemente – ele já esteja decodificando as máscaras da realidade e os monstros bons dos maus...

Que bom.

Que ele faça bom uso das travessuras (para quem merece) e das gostosuras (para quem ainda acredita em sua força).


Happy Halooween!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Uma leitura desconcentrada


Ele germina pelas oportunidades que são geradas pelos encontros. Vive da ótica fora da ética e da insistência ingênua dos que são fiéis a ele.

Companheiro da tristeza de muitos que investiram cegamente e confundiram sombra com presença, ausência com frequência e por aí vai...

Uns o usam como muleta, evitando erroneamente as suas feridas, outros usam durante o inverno e outros mal sabem que usam, até se sentirem usados, ironicamente, por uma atitude entre causa e efeito.

Embora ele permita inúmeras tentativas, erros, topadas, deslizes e recriações, quem o usufrui não perdoa os erros do postulante, oque me parece um tanto contraditório... É como se Jesus retornasse a terra para punir a humanidade, sobrepujando os ensinamentos do seu criador.

Inversão de valores doutrinados por uma sociedade voltada para o individualismo; todo mundo procura por si próprio e ninguém, absolutamente ninguém vive sem um amor, entretanto, aí vai mais uma contrariedade:

Fazemos da solidão uma morada, quando na verdade ela deveria ser uma pousada: sazonal, sabática, de veraneio, mas jamais uma fixação aderente aos nossos sofrimentos e ressentimentos.

O amor não trai, nós é que somos ilegítimos com ele mesmo.

O amor não pune, nós é que julgamos e tateamos mal... Bem mal.

Todos os amores podem ser verdadeiros, nós é que somos mentirosos.

Você disse que ele era “permanente” para uma pessoa “provisória”!? Azar o seu, o amor não fala, ele faz, mediante o tempo, a paciência e a persistência.

O amor é uma literatura gostosa e de fácil compreensão, nós é que metemos uma porrada de dilemas e conflitos afetivos separando seus capítulos como uma espécie de marca página.

Ele está aí, por aí, em todos os lugares, mas nós (muitos de nós) nos escondemos tão bem dele que depois não conseguimos nem nos encontrar de nós mesmos, e assim vivenciamos sombras e sobras, sombras criadas por um holofote que um dia terá sua energia cortada, ou você acha que viverá para sempre esta vida?

Mas existe algo que não é contraditória nessa intersecção de valores e propósitos:

Nós não temos mais paciência para ele; cansamos das segundas chances, das pisadas na bola, das crenças, das investidas... Das oportunidades de crescimento.

Não se dá fermento ao amor, se dá permissão, mas o medo em sofrer congela os próximos passos, e daí não andamos, pelo menos com ele.

E pra onde vamos sem ele?

Eis a questão:

Não temos tempo para deixar o amor se apaixonar... E assim ele se vai, sozinho para um lado e você, sozinho para o outro.

Quer uma dica?

Ao conhecer uma pessoa, pergunte se ela é medrosa ou audaciosa e coloque isso como o primeiro item do seu processo seletivo.

Quem tem medo de errar jamais conhecerá a felicidade. A felicidade é feita para quem tem coragem em sofrer.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Paisagem insensata



A rua que passo com frequência me rogou uma peça; me fez a tua imagem surgir inesperadamente.

Sorri sozinha, em uma espécie de frenesi mudo. Você passou apressadamente, com alguns agasalhos te protegendo do frio incessante e do vento da moto, coisa de gente louca. Andar de moto nesse frio confuso de uma primavera aparentemente sem sol.

O sol está em cativeiro, mas você não. Estava livre, levando alguns tapas do vento na cara e talvez por isso, não notou minha presença andarilha na calçada da esquerda.

Gosto de te ver assim, de repente, como se você fosse um segredo meu. Confissões alternativas de uma paisagem inusitada inspirada por uma surpresa, interrompendo uma tarde nostálgica proveniente de um sorriso inevitavelmente involuntário.

Nossa, bastou reavivar aquela paisagem para regurgitar todas as palavras neste parágrafo.

Alí, naquele breve momento de segundos viscerais, tive a confirmação das minhas expectativas, outrora desapegada por conta da vida rotineira de um dia frio.

Quando ando pelas ruas eu me descubro. Em meio a tantas mutações mundanas e tempestades repletas de contrariedades e oscilações, caminhar é um exercício ambíguo para mim... Vou além da despedida inevitável que é chegar ao itinerário.

Caminhando eu sou uma romancista. Parada eu sou uma alienada devorando os desamparos da sociedade (ausência de rotina, de algo fixo, de se prender continuamente a uma meta).

No mundo de hoje, o efêmero roubou a cena da consistência. Ninguém aprecia estas breves oportunidades que é ter uma paisagem diante dos olhos.

... E sem insistência do tempo sua paisagem passou, sem espessura, mas deixou uma gravura que guardei para mim, naquela tarde de outubro, sintetizando o desejo de uma nova surpresa, uma nova paisagem...

... Uma paisagem insensata para a minha compreensão, no entanto, palpável para dezenas de cenários, literários ou não.