Crônicas

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Necessidades não catalogadas


Não era amor.

Era uma necessidade de se sentir necessário. Um documentário para o imaginário. Um tributo ao extraordinário. Um brinde ao incendiário.

Não era amor. Eram dois celulares dominados pelo silêncio, vibrando – poucas vezes – por pessoas que ainda persistiam em romper essa lógica.

Não era amor. Eram duas mentes se oxigenando, se libertando dos pensamentos rarefeitos de histórias pretéritas, ambas, mal sucedidas, mas que nos moldavam para uma chance maior, para um desafio apoteótico, erótico, total exótico para aquelas almas que ali se reconheciam.

Não era amor. Era a interpretação de todos os sentidos, fazendo um único sentido, o nosso sentido, a nossa forma olfativa de amar as palavras que trocamos juntos com o atrito dos nossos corpos em movimento.

Não era amor. Era a desconstrução de um mundo real pela construção de um mundo ideal - O nosso mundo - intocável, insólito, peculiar entre nós, mas visto com indiferença pelas visões externas.

Não era amor. Era a fusão inexorável de duas solidões. Solidões que se somam, que se completam, que se preenchem e que se fundem espiritualmente em um único cenário. Na cama ou dentro de um armário, sem receituário e muito longe da compreensão de um dicionário.

Não era amor.

Era o apetite, o desprezo pelo limite. A vontade incessante de se plugar a dois e se desligar do mundo dos bilhões. A união legítima de dois pensamentos em busca de um lugar seguro, o nosso porto, o nosso cais, a nossa casa. Aqui, tudo é permitido, inclusive a fragilidade das nossas inconcordâncias.

Não era amor, era o próprio amor depois das três, numa tarde frenética, numa escapada estratégica para a devoção assimétrica de dois corpos em simetria. Convivência, quebra de tabus, obediência ao que nos faz bem, somente ao que nos faz bem.

Não era amor, era o medo inconsciente, o pavor pela distância, a redenção pela aproximação, o descontrole pela saudade, a imposição química e física pela gana de estarmos juntos.
Não era amor, era melhor, muito melhor que o amor.

Inexplicável. Concordante. Incontestável. Cúmplice. Realidade incontornável.

... Nós!

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Namorar causa desgosto para quem vive sem gosto


Rodeado de fingidos, como se fosse um jogo de Pôker, a gente chega num momento da vida em que dissemos para nós mesmos: É melhor estar só, do que mal apaixonado.

Entretanto, pedimos – lá no inconsciente – para que tenhamos alguém que nos assista e nos rebobine quantas vezes acharmos necessário.

Olhamos a nossa volta e cansamos!

A mesma modice, a mesma mesmice, a mesma idiotice. Tirando o ar, tudo que gravita a nossa volta se faz desnecessário, perde o brio, a coloração, a fantasia.

O passaporte perde a validade e nos sentimos imigrantes clandestinos diante dos nossos encaixes.

Encaixes? Sim, encaixes.

Existem pares que são pares e por isso são pares...

Existem os pares que nasceram sem um par e que passam a vida à procura desse outro par, aos quais chamamos de ímpar.

Existe o encaixe neutro, aqueles que combinam tanto com os pares e os ímpares, mas que continuam neutros porque de tanto escolherem o encaixe ideal, permanecem desencaixados e sem a sua tão sonhada medida.

Os pares neutros, geralmente sentem um certo incômodo no cotovelo ao ver um casal feliz – como se fosse uma predileção da sorte sermos escolhidos pelo destino para formar uma união, mas se esquecem que par ideal não existe, partes ideais sim.

Alguns ficam na torcida inversa, de costas para o campo, torcendo para uma ligação repentina com choro de fundo, torcendo por um whatsapp escrito “Amiga, brigamos, me ajuda?” Ou mesmo na torcida silenciosa(aquela vibração sórdida, porém calada que a pessoa faz em seu âmago).

Ecos de um mundo adulterado; pessoas que preferem ser “mais uma”, ao invés de “serem a única”.

Por isso é bom amar no anonimato, assim distanciamo-nos dos que não possuem a competência de sentir o amor.

Por isso é bom desapegar das coisas mundanas e dos encontrinhos sociais nas baladas e bares para se apegar a novas oportunidades, porque o amor sempre nos perdoa, ele sabe que precisamos nos oferecer erroneamente ao provisório para um dia capricharmos assertivamente no permanente.

O mundo provisório é povoado pelos neutros, porque os neutros não arriscam, não pulam o muro e muito menos se atiram ao precipício. Para eles, frio na barriga é ver o pretendente no whatsapp on line ignorando sua presença.

Para eles, suspiro é aquele docinho brega de padaria. Apaixonado é coisa de sessão da tarde e companheirismo é esquenta com os amigos.

Certo ou errado, apropriado ou inadequado, traduzir o amor é um ato de sensibilidade e coragem.

Amor: 4 letras, 2 consoantes, 2 vogais e 2 humanos aptos a juntarem forças e fazerem o mundo girar.

Medo: 4 letras, 2 consoantes, 2 vogais, 1 pessoa e 1 estado (solidão) fadados as fugas e as locadoras aos finais de semana.

Amor e medo: A diferença gramatical é sutil...

Só a gramatical.

Quem tem medo de errar jamais conhecerá a felicidade. A felicidade é feita para quem tem coragem em sofrer.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A sociedade anti-sofá


Em face da nossa teimosia em brincar de “esconde-esconde” com as nossas realidades, a gente se sabota, se adultera e se contamina em uma auto-colonização equivocada de nós mesmos.

Eles falam mal do Dia dos Namorados querendo um dia protagonizar uma mesa de jantar a dois.  Levantam orgulhosamente e afonicamente a bandeira do Dia dos Solteiros exclamando-se em redes sociais e não se tocam que o protesto infantil não é uma questão de opção, e sim de incompetência em estarem sozinhos.

Eles levam horas e mais horas se produzindo, mas na balada, no club ou no barzinho com som ao vivo, mais parecem seres de uma “fabricação em série”, todos com o mesmo dialeto e com as mesmas roupas.

A carência por um cavanhaque roçando o pescoço é muito mais forte que o medo do auto enfrentamento num sábado – sozinha - entre o sofá, livros e a HBO.

O ímpeto de comprar um camarote e se exibir com Chandon cheio de foguinhos de artifício na garrafa é muito mais forte que a meditação de ficar em casa assistindo o UFC sozinho ou curtindo o sobrinho com a família.

E assim a vida segue em lugares cheios de gente vazia:

“Aqui estou de volta, sem perder a razão das minhas defesas. Aqui estou de volta sentindo-me só, mas entorpecendo o vazio por meio de olhares insinuantes e justificativas entre amigas.

Aqui estou de volta; salto alto, tinta na epiderme vislumbrando uma gola em “v” com o peito depilado e braços torneados. Se ele disser que estou linda e perguntar meu nome já me sinto plena e convicta das “minhas realidades”.

Aqui estou de volta, francamente, não me importo em fazer atividades que enalteçam a minha saúde, gosto de fumar, gosto de encher a cara e amo selfies com garrafas de Veuve Clicquot, Absolut ou Smirnoff, quando não tem playboy chamando pro camarote a gente caça na pista com ostentação.

Balanço as coxas até dar câimbras, bebo até perder a postura (postura?), mas chego à minha casa satisfeita pelo que vivi, afinal de contas, amanhã a vida acaba, temos que viver tudo que há pra viver, não é mesmo?

Outra coisa que não me importo e também não perco o meu tempo são com as indagações que os amigos mais velhos, mais experientes, namorados ou casados me fazem, não me aniquilo por certos porquês:

Por que estou aqui? Por que tenho 33 anos com pele de um crocodilo com um centenário de vida? Por que gasto horrores com xampus “fancies” se vivo fedendo cigarro? Pra que cremes e mais cremes se pareço um guaxinim com olheiras intermináveis?

Aphe, cada perguntinha besta pra se fazer, não ligo pro que dizem.

Aqui estou de volta, as coisas perderam o sentido, a rotina literalmente acabou com a festa, mas eu to aqui pra ver e ser vista, afinal de contas, a única coisa capaz de sobrepujar o tempo é o Ego.

Mudam-se as maquiagens. Mudam-se o dress code. Mudam-se os cabelos, mas a festa do branco, o festival sertanejo ou a feijoada com pagode continuam “bombando”, e é isso que realmente importa.”

E assim ela vai aos embalos de terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo à noite, sem conhecer, claro, um John Travolta da vida.

A real é que pessoas que agem com autenticidade estão dentro de casa, talvez por isso haja tanta gente boba e desinteressante falando da idiotice dos que estão na balada, sem se dar conta que estão dividindo o mesmo balcão ou a mesma pista de dança.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Aposentos ambíguos


Na solidão prazerosa e barulhenta dos meus movimentos encarcerados dentro da minha casa, eu descubro um novo aposento.

Este aposento não vivia aqui, era uma espécie de universo paralelo e paradoxal às minhas intenções vividas neste meu mundo. Um aposento aparentemente ambíguo.

Um mundo de enfrentamentos, no entanto, pautado por mecanismos repetitivos de busca, de exaurimento e de satisfação imediata por aventuras breves que reverenciavam o Ego, mas abandonavam o amor próprio.

Me procurava, fazia questão de me perder novamente e por vezes achava que me encontrava; vivenciava amores modernos com problemas antigos, paradoxal, não?

E nesse pega-pega com nuances de esconde-esconde eu notava um dado de realidade diante desse mundo lúdico: Como é fácil a gente se esconder de nós mesmos, somos exímios atores interpretando uma peça de meias verdades e de mentiras inteiras.

Notei - diante dessa apresentação teatral - que muitas me aplaudiam, levantavam de suas cadeiras e sorriam com certo orgulho. Idolatravam a peça, o texto e o roteiro, mas de fato, gostavam mesmo da condição fixa de serem apenas a expectadora, sentadas num sofá preto tomando um bom vinho.

De repente, como um portal se abrindo – típico dos desenhos do He-man – este mundo com novas intersecções se mostra para mim; convidativo, altruísta, filantrópico e insólito.

Quatro adjetivos que prefiro soma-los a apenas um: O amor.

Entender o amor não é complicado, saber manejá-lo é que envolve sensibilidade, coragem e bravura para adentrar neste universo cheio de depurações e emoções.

Neste aposento, descubro o corpo de uma mulher; dócil e voraz, passivo e inquieto, pueril e malicioso, que me transmitem sensações intensas e por vezes antagônicas, como a edificante arte de estar vivo.

Neste aposento, eu aceito a potência dos meus sentimentos sem embargar os meus medos e receios. 

Aceito a ventania de pé e me permito à cegueira momentânea de encarar tais reviravoltas de frente.

A minha quadra se enquadra, meu mundo se unificou ao dela feito o início do Planeta Escola que habito – e o que é melhor – neste aposento – não guardo mais incoerências no criado mudo e as neutralidades pretéritas do mundo que abandonei não me fazem mais sentido.

Os que viviam o mundo que eu vivia podem até nos chamar de exagerados ou de incompreendidos, mas em nosso mundo, a covardia, a competição e o egoísmo não possuem visto, aqui só entra o que promove o riso.

Simples, assim.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A miopia pelo fim


Como é difícil entender uma rejeição. Pior que uma demissão, um óbito, uma mudança de bairro, a perda do cachorro.

Os rejeitados se transformam em seres irracionais diante de um simples vácuo: Um whatsapp não respondido, um inbox ignorado, uma ligação não atendida.

Custam a compreender que a negação é a hipoteca de um futuro, nunca a custódia permanente de um possível recomeço.

Transmutam entre o desejo carnal ao ódio moral em questão de segundos – depois – passada a vertigem – confabulam uma nova investida.

A rejeição não é um segredo disfarçado de fim, é o fim materializado diante de olhos que persistem pela miopia, a miopia do desprezo.

Mas – não deixando seu desespero se viciar pelo inalcançável – é compreensível.

Em que parte – distante da realidade atualizada – foi perdida as frases únicas, a linguagem personalizada, o jeito de beijar e de abraçar?

Mas, antes de qualquer parte indagativa e reclamatória, entra a mais viril, sorrateira e ardilosa das mutualidades humanas: O Ego.

O Ego, disfarçado diabolicamente de perguntas que o rejeitado faz a si mesmo:

Por que? O que foi que eu fiz? O que aconteceu? Por que ela acha que eu errei?

A insegurança da perda nos questiona de forma extenuante dentro de um tempo consideravelmente curto: esse drama não necessita de continuidade, ás vezes basta um encontro, uma trepada, um beijo na boca para o sentimento irrecusável da perda se transformar em desespero, carência afetiva e inaceitação.

O desespero dramático/mexicano de não ter mais notícias da pessoa de um dia para o outro nos aponta para um dado de realidade:

Desde que o desesperado não seja alimentado pelo “suposto esperado”, um open bar de vergonha na cara seria uma ótima programação para você encher a cara, tomar todas e acordar com a ressaca do amor próprio dividindo o edredom com você.