Crônicas

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Compartilhamentos


Sempre fui locatário do meu coração e passei uma parte significativa da minha vida procurando um inquilino para tal.

Por sorte, merecimento e teimosia pelo 
errado, não só encontrei a inquilina, mas fui morar junto com ela.

Morar junto... Que arte surpreendente!

Girar a chave da porta e se deparar todos os dias com diferentes intersecções, diferentes pontos de vista e muitos objetivos em comum.

Morar junto...

Há alguém que se importa com o teu silêncio, com a forma em que você dá bom dia, com a maneira em que você levanta para arrumar a cama... Se está sério, dormiu mal... Se está quieto teve pesadelo, se está sorridente sonhou com ela...

Morar junto é uma constante adivinhação gestual em prol do querer bem, do cuidar com zelo.

Não existe fingimento para consigo mesmo daqueles tempos de solteirice onde você tentava se convencer de uma meia verdade e o tempo insistia em te mostrar suas mentiras inteiras - aqui – tudo é devidamente às claras, sem manipulação de resultados porque os meios complementam os recomeços e os recomeços convivem em todos os ambientes da casa.

Morar junto é catequisar o ensino das ruas com o ensino acadêmico. As experiências são divididas e incorporadas, os planejamentos precisam de aprovação conjunta, os debates dão lugar às decisões precipitadas, as boas notícias viram motivos para um Prosseco.

Você descobre novas e incríveis vocações; enquanto ela te ensina a mexer na cafeteira, você aprende a colocar os lustres da casa... Enquanto ela lava a sua roupa, você arruma a mesa do café e prepara as torradas do jeito que ela gosta...

A vida passa desapressada quando se mora junto, basta compreender que o seu amadurecimento se divide com o dela, os teus medos se diminuem com os dela e o tempo se multiplica com o dela.

Matemática simples, desde que você tenha sorte e merecimento para encontrar o denominador comum.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Réus Confessos


A nossa mania de perseguição é a curiosidade. Embora seja fascinante desvendar o que nos desperta interesse, isso pode ser letal...

... E foi.

O crime se deu há alguns meses atrás, quando a vida já não oferecia – aparentemente – nenhum risco e tudo se conjecturava em peças teatrais ensaiadas com roteiros formatados...

Idealização é a punição para quem espera demais; um completo desalinhamento entre “ganhar” e o “desejar”.

Por isso, sabotei a minha inércia e me propus ao risco da curiosidade.

No início confrontei-me com meus muros - aos poucos – o suor de pular estes muros deu lugar a um cenário propício para o logro de um delito. Ceguei minhas contenções. Calei minhas verbalizações e trancafiei minhas hesitações:

Fui sem compaixão, sem pena, sem dó nenhuma. Me transbordei de desejo e ignorei por completo os escrúpulos da minha sanidade.

Também pudera, tamanha vontade depositada foi amplamente justificada em detrimento de uma cúmplice, uma conivente a tudo que lhe foi ofertada neste cenário sedutoramente convincente.

Ela compactuou com cada gesto, cada plano, cada pulso, cada transpiração... Descobriu-se em si mesma uma notável capacidade de ir além da sua zona de conforto. Permitiu-se a um mundo que - até ali – na execução primária de suas ações – era algo extremamente inédito em sua vida.

Sentiu-se – assim como eu – uma sensação de vivacidade, de tenacidade, como uma pessoa que escapa da morte, como um atleta que bate um recorde mundial... Como uma criança descobrindo a fala.

Acreditamos na impunidade dos nossos atos e não nos bate nenhuma natureza de remorso ou constrangimento pelo que fizemos, somos réus confessos pelo crime que cometemos.

Matamos nossa vontade e simplesmente morremos de amor!

Não envolvemos terceiros, não deixamos rastros, marcas, digitais, simplesmente morremos de amor.

Hoje, vivemos uma vida além da vida, simplesmente porque morremos de amor.