Crônicas

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Paisagem insensata



A rua que passo com frequência me rogou uma peça; me fez a tua imagem surgir inesperadamente.

Sorri sozinha, em uma espécie de frenesi mudo. Você passou apressadamente, com alguns agasalhos te protegendo do frio incessante e do vento da moto, coisa de gente louca. Andar de moto nesse frio confuso de uma primavera aparentemente sem sol.

O sol está em cativeiro, mas você não. Estava livre, levando alguns tapas do vento na cara e talvez por isso, não notou minha presença andarilha na calçada da esquerda.

Gosto de te ver assim, de repente, como se você fosse um segredo meu. Confissões alternativas de uma paisagem inusitada inspirada por uma surpresa, interrompendo uma tarde nostálgica proveniente de um sorriso inevitavelmente involuntário.

Nossa, bastou reavivar aquela paisagem para regurgitar todas as palavras neste parágrafo.

Alí, naquele breve momento de segundos viscerais, tive a confirmação das minhas expectativas, outrora desapegada por conta da vida rotineira de um dia frio.

Quando ando pelas ruas eu me descubro. Em meio a tantas mutações mundanas e tempestades repletas de contrariedades e oscilações, caminhar é um exercício ambíguo para mim... Vou além da despedida inevitável que é chegar ao itinerário.

Caminhando eu sou uma romancista. Parada eu sou uma alienada devorando os desamparos da sociedade (ausência de rotina, de algo fixo, de se prender continuamente a uma meta).

No mundo de hoje, o efêmero roubou a cena da consistência. Ninguém aprecia estas breves oportunidades que é ter uma paisagem diante dos olhos.

... E sem insistência do tempo sua paisagem passou, sem espessura, mas deixou uma gravura que guardei para mim, naquela tarde de outubro, sintetizando o desejo de uma nova surpresa, uma nova paisagem...

... Uma paisagem insensata para a minha compreensão, no entanto, palpável para dezenas de cenários, literários ou não.

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