Crônicas

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Dedicação desamparada


Certo dia olhou pra vida e disse: “Ok, vou te levar a sério”.

A pura flexão feminina do abandono: A dedicação.

Tal qual um panfleto de porta de Faculdade, entregou o seu coração para o primeiro que viu. Corajosa.

Somos instantes inconstantes em busca de coisas de repentes sem nada aparente. Vivia no salto alto do exagero, desfilando na passarela da extravagância.

E quem nunca se perdeu fazendo manha pra si mesmo? Por que todo ser supostamente pensante acha que mimos, agrados e presentinhos vivem no plural?

Odeio convencionalismos. Eu nasci pra me ver renascer, sem vinculação afetiva... Se vier, tá ótimo, se não vier eu vou na contramão da pedagogia tradicional.

Já faz um tempo que não descubro desenho em nuvens. Já faz um tempo que não me pego rindo despretensiosamente. Já faz um tempo que brinco de pega-pega com o amor, mas o ordinário insiste no esconde-esconde.

Lembranças recorrentes de um passado pavoroso? Tratei muita gente feito pão amanhecido e cá estou a aprender que na vida cabe o esconde-esconde o pega-pega e também o boomerang.

Hoje procuro um locatário para o órgão pulsante, alguém que moderadamente tire a poeira debaixo das bugigangas, alguém que tire as folhas secas do outono de frente a porta... Mas sem aquele papinho de dominação, afinal de contas, manutenção não tem a ver com posse.

Aaahhh, o boomerang, este infalível objeto de arremesso que coíbe qualquer “talvez” ou qualquer “sei lá”.

A sua simetria, o seu formato cientificamente confeccionado e, principalmente, o seu retorno, o que de certa forma, sintetiza magistralmente o planeta escola em que habitamos... Tudo que vai... Volta... E muitas vezes volta na cara acompanhado de uma força G descomunal.

E você aí achando que suas idiotices eram a prova de bala e se esqueceu de que quem passa muito tempo olhando para o umbigo, morre de torcicolo.

O fato é que escolho demais e ainda assim, tropeço demais. A educação caseira me iludiu compulsoriamente ao passar a imagem de que quem escolhe reduz os percalços.

Será?

O fato é que vivo na era transitória do “amor na casinha de sapê” e da “devoção à conta gotas”.
Uma espécie de hipotermia sentimental me invade a alma.

Quero sexo, mas não quero esticar meu braço logo pela manhã e me esbarrar no tórax de alguém. Quero ser flertada, cortejada, pegada, cobiçada, mas não quero dar satisfação de quem me chama em meu whatsapp.

E vivo a me perguntar com certo escárnio:

As pessoas ainda se amam? Ou amam ainda se?

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