Crônicas

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Fingindo residência


No ritmo frenético dos passos apressados eu estabeleço o meu luto.

Já não apresso tanto mais os meus passos a fim de evitar a posteridade com um marca passo encravado dentro de mim, para tal, parei de viver o futuro.

....... O meu luto é uma retaliação, um protesto contra a minha saudade que insiste incansavelmente em me fazer relembrar os meus desejos.

Sim, saudade é um luto agraciado pelo desejo, sentimos saudade pelo irrevogável e por uma vontade que jaz em vontade, nada mais, além disso.

Mas a minha saudade se contradiz do populismo prescrito em dicionários ou em livros de autoajuda, minha saudade vai além do senso comum e de uma ordem cronológica.

Sinto falta do que não foi, do que está por vir, numa espécie louca de emancipação do destino. Sinto falta de dobrar a esquina da minha rua e me deparar com árvores, árvores de todas as espécies, juntamente com pássaros de todas as espécies e, na real? Sem muita gente da minha espécie. Sinto falta da cor bege no chão, a cor bege, tanto execrada por estilistas e por entendidos de moda - hoje – o bege (ou pastel) ao qual me refiro possui milhares de pequenos grãos, cansei do cinza do asfalto, muito embora essa cor super me caia bem, no chão, ela já não cai mais.

Meus pés precisam sentir a incerteza do equilíbrio da areia.

Sinto falta dos vínculos afetivos, cansei de pontes, viadutos, paredes e portas, quero uma vida de portões de madeira translúcidos, daqueles que você enxerga quem vem te visitar e a surpresa sorri com a vista.

Aqui, o medo, as preocupações, as angústias possuem CEP, quero fingir residência sem precisar ser alguém pra ser feliz. A saudade nos reserva um vazio, mas na cidade grande, ela se contradiz. Obras e mais obras, britadeiras, betoneiras, centenas de operários gritando de segunda a segunda... 

O domingo perdeu o respeito, ninguém mais o vê passar... Sinto falta do vazio, e a falta do vazio me sufoca feito uma asma congênita. 

E por falar em faltas...

Falta aquela sensação de acordar no sábado achando que é sexta. Falta aquela sensação de ser anônimo, de ser abundantemente você, de se arrumar pra ficar em casa... Eu substituiria o pau de selfie pelo pau arremessado na fogueira com crianças que se divertem com uma simples brincadeira, ao invés de se encantarem com vídeos no You Tube... 

Dividiria meu tempo entre as redes sociais com uma rede em fronte a varanda da minha casa. Queria álbuns vivos dividindo um sábado a noite com taças de vinho, ao invés de álbuns virtuais que só abastecem minhas recordações a cada “like”... 

Sinto falta de ver criança correndo, com o braço quebrado, enfaixado por um gesso rabiscado, com kichute no pé e joelho arranhado.

Não sinto falta das inversões gramaticais modernas!

“Vácuo” para mim é sentir o vento sem construções a minha volta, sem milhares de janelas intercaladas e não ficar no vácuo por um bom dia não correspondido, por um email não respondido ou por um não a prestação. 

Sabe?

Eu não abriria mão da modernidade, mas tá faltando muita humanidade por onde eu optei viver, talvez por isso eu me arriscaria...

Eu arriscaria me perder, me perder longe dessa cidade e do que já fui com ela, e acho que isso tem a ver com a contradição da minha saudade; perder-se em minhas buscas.

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