Crônicas

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Unidos pela mobília


Finalmente vocês irão sossegar e transformar uma vida enfadonha em duas divertidas. Economizaram uma graninha ao longo dos 8 meses de indecisão + 2 anos de namoro + 3 anos de noivado + 1 ano de casado e hoje estão prontos para mergulhar na atmosfera imobiliária.

Vejamos o que tem por aí, afinal de contas o casamento pode ser mutável, mas a mobília é um canto sagrado e tudo é “impermanente” em nossas experiências:

Uma casa ao sonho brasileiro: dois quartos aconchegantes, uma ampla sala de estar, uma razoável sala de jantar, dois banheiros (ninguém quer compartilhar desses momentos higiênicos, soltar pum é não é um ato coletivo), uma bela garagem e um ótimo quintal, perfeito não? Sim, seria perfeito se a multiplicação na segunda linha fosse um pouco maior, aí assim a economia também seria.

Pelo mesmo preço dessa casa daria pra comprar um espaçoso terreno de primeira categoria no deserto do Saara, ou ainda um belo chalé no morro do Vidigal, ou quem sabe duas coberturas com laje para tomar sol e vista panorâmica para Avenida Águas Espraiadas (isso mesmo, aquele “terreno” quase na esquina da Berrini).

Opções sobram, mas faltam pra quem tem bolso de moeda. Entretanto, vale lembrar que uma vida de casal possui atenuantes bem mais necessários do que um simples teto, como aproveitar todo esse tempo juntos, que antes se resumia á encontros de finais de semana, como administrar a direção que essa união vai tomar, como conjugar um amor genuíno e altruísta que trouxeram vocês aqui diante desse futuro teto. Enfim, uma infindável série de percursos visando apenas à devoção e a vivência afetiva, sem arremessos de panela, levantamento de cadeiras ou aquecimento das cordas vocais...

Além de todo esse minucioso e delicado processo entre vocês, existe ainda a cultivação da tolerância dos padrões convencionais entre vizinhos: Dar bom dia mostrando toda sua arcada dentária, mesmo quando a noite foi de pura insônia (por conta do ronco dele), ser solícita sempre, afinal de contas, amanhã você pode ter esquecido de comprar fermento e o vizinho é o nosso mercado delivery (só nosso), basta interfonar ou tocar a companhia, seu apuro passou.

Ao mesmo tempo nos deparamos com algo antagônico nesse convívio geográfico: agüentar as visitas indesejáveis e fora de ocasião que os vizinhos adoram praticar, ora pra falar da novela, ora pra falar do tempo, ora pra fazer hora, sem contar os inúmeros convites que fazem e que são complicadíssimos de rebater com um não. Tipologias clássicas da nossa cultura urbana, clássicas, porém chatas, tão chatas quanto mágico em festa infantil.

Mas se o hiato é mesmo com a vizinhança, o jeito é procurar uma casa num local afastado, sem vendedores batendo á porta, sem a caixinha de Natal do lixeiro, sem taxistas parando o carro indevidamente em sua porta. Uma vida tipicamente á três: você, sua esposa e a mais nova moradia, mais nada.

É como morar na praia sem o mar. E falando em praia, isso me lembra a natureza que vocês optaram viver: Que tal dormir ao som impertinente das cigarras em cima da árvore? Ou se deparar com um inusitado e variado ecossistema de insetos invadindo a cozinha, a sala, o banheiro? Sem mencionar na sinfonia ao pé da orelha dos nossos lendários inimigos pernilongos, promissor hein?

Chega dos subterfúgios da flora e da fauna. O jeito é reencontrar o caos suburbano e o colapso social na cidade grande. Vocês querem mesmo a animação da noite paulistana e seus contrastes culturais.

Com a grana da venda da “casinha de sapê”, vocês arrematam um “apê” enxuto e totalmente “zen”: “zen” excessos, “zen” muitos cantos e “zen” regalias, localizado no centro da cidade, algo mais antigo, ideal para pessoas dinâmicas como vocês, afinal de contas, pra que ter tanto espaço se vocês se amam e pretendem ficar grudadinhos?

Opa opa, mas pintou outro hiato: e pra suportar o cheiro do centro da cidade, como vocês farão?

3 comentários:

  1. Hahahaha!!!!
    O tão almejado sonho da casa própria...ai, ai...
    Nosso querido Lula facilitou tudo com a plano "Minha casa, minha vida", da Caixa Econômica, agora, o difícil mesmo, é ter paciência e calma pra se adaptar quando as escovas de dente vão parar dentro do mesmo copinho na pia do banheiro...rsss
    Sobre a crônica impecável, como de praxe. Ficaria com a bizarrice dos pernilongos zumbindo na orelha ao invés do "zen" nada na Babilônia...hehe
    Amourrr, amo sua sagacidade.
    Sou sua eterna "fã literária"

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  2. E depois de todo esse tempo planejando, o casamento durou 6 meses. Como vender o apartamento financiado em 10 anos? Talvez o próximo casal recém-casado feliz compre. Afinal eles tem certeza de que serão felizes para sempre. Assim como primeiro casal.

    Bjokasss

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